sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Pesadelo

 O estacionamento estava lotado. Depois de cerca de quinze minutos rodando, Manuela achou uma vaga. Havia um carro antigo ali ao lado, o condutor estava saindo do carro no momento em que ela estacionou. Ele deveria ter cerca de trinta e cinco anos, barba mal feita, cabelo despenteado, aparência de quem não dormia há dias.
 Enfim, desceu do carro em direção ao supermercado, sua filha ao lado permanecia calada. Já tinha alguns dias que Ana andava estranha, mas não dizia a sua mãe, Manuela, o motivo.
 O motivo não era qualquer problema juvenil de uma menina de quinze anos, era algo assustador e inacreditável, então, ela continuava a esconder os pesadelos que se tornavam realidade. Quem iria acreditar nela?
Tinha certeza que a olhariam como um monstro.  Seu pai a expulsaria de casa, cético demais para acreditar em algo assim.  Só de comentar uma vez que acreditava em horóscopo, quase apanhou e ficou de castigo. Ele tinha medo que a enganassem, quando na verdade era mais fácil ela enganar os outros. Sua mãe talvez acreditasse, mas preferiu não arriscar.

Manuela comprou tudo que precisava, enquanto Ana parecia apenas uma sombra em torno dela, não balbuciava nenhuma palavra e não mudava de expressão. Quando saíram, foi Ana que reparou no homem que estava com o carro estacionado ao lado do delas. Estava encostado no carro, parecia esperar algo, na sua sacola havia apenas refrigerante e salgadinho. Ana passou por ele, seus olhares se cruzaram, ele parecia-lhe familiar.

 Quando a noite se aproximava, Ana começava a se angustiar, ia de um lado para o outro da casa. Mas, não tinha jeito, o sono vinha e fugir se tornava impossível. E como já acontecia há algumas semanas, o mesmo pesadelo retornava.
 No pesadelo ela assistia a morte de um homem, ele se matava e ela não podia fazer nada, um tiro na cabeça. Ela via tudo com uma enorme riqueza de detalhes. Ele se vestia com uma calça jeans rasgada, tênis com um pequeno furo ao lado esquerdo do pé direito, camisa listrada, verde e vermelha com uma mancha de molho do lado direito do peito. Mas, o que mais a assustava era o cenário, o estacionamento daquele supermercado. O rosto, ela ainda não conseguia ver.
 Sempre que Manuela precisava comprar algo, Ana estava pronta para ir, tinha esperança de impedir o suicídio. Sua mãe já estava percebendo algo muito errado, ela nunca tinha sido tão prestativa. E sempre que iam Ana encarava o homem da barba mal feita que sempre estava por ali, parecendo esperar algo como de costume.
 Mais uma semana com o pesadelo persistindo. Essa noite, algo mudou, ela viu o rosto dele. Sim, era o homem de barba mal feita.
 Na manhã seguinte, não tinha mais como fugir, ela contou tudo para sua mãe. E como ela já esperava, Manuela fingiu compreender e disse que devia ser apenas, coincidência.
Ana desistiu de convencer sua mãe.
 Domingo, três meses depois do dia que começaram os pesadelos constantes, foram a aquele supermercado. A última vez, elas nem imaginavam, quer dizer, Ana sabia que a qualquer momento seria a última vez que pisariam ali.
 Elas estavam indo embora, o homem dessa vez estava sentado no banco do passageiro com todas aquelas descrições, a calça, o furo no tênis a mancha na camisa listrada, mas, sua mãe não aceitou ficar mais um pouco por ali e a arrastou com ela. Saíram da vaga quando, Ana, olhou para trás e o viu abrir a porta, pegar a arma e se levantar.
 Ela pulou do carro ainda em movimento, sua mãe freio na hora. Ela corria como nunca antes, mas quando achou que conseguiria impedir ele disparou. O disparo parecia ecoar por todo o corpo dela. Ajoelhou-se ao lado dele, o sangue escorria próximo ao corpo dela. O olhar dele cruzou com o dela pela última vez.
 Ana chorava. Porque sonhou com aquilo se não pôde impedir? Questionava-se.
Manuela olhava com uma expressão indecifrável para ela.
 Uma mulher saiu chorando do supermercado, e, apenas, disse: “Como eu imaginava, ele esperava por ela. Mas, ela não poderia mais voltar pra ele, então, ele voltou pra ela.” Respirou fundo e completou: “Você se parece tanto com ela, menina.”


-----
Fonte imagem:
http://justicanahoradofim.wordpress.com/category/e-suicidio/

3 comentários:

  1. Wooow... muito bom! *-* adorei!
    Adoro finais misteriosos. Ficou ótimo!

    ResponderExcluir
  2. Putz...sem comentários. Me arrepiou!

    ResponderExcluir
  3. SHOW.
    Posso dizer que é o melhor do blog ou os outros ficam com ciúmes?!

    ResponderExcluir

Qualquer pessoa pode comentar, fique à vontade :)