sábado, 15 de outubro de 2011

Pairando

 Desnorteada e com o olhar distante ela andava pela rua, tinha os passos tortos como se estivesse embriagada.
Uma senhora que passava do outro lado da rua gritou: “Onde vai parar essa juventude, meu Deus?”
 Ela não ouvi. Assim como não ouvi o carro que buzinou ao quase atropelá-la, a freada brusca do carro de trás e o cachorro latir da casa pela qual passou. Também não sentiu em seus braços nus o vento gélido daquela quase madrugada, muito menos a boca ressecada e os olhos úmidos. Não enxergou os olhos espantados das poucas pessoas que cruzaram o seu caminho, nem percebeu que já estava quase na fronteira de outro município. As coisas que pensava já não sabia se ainda eram pensamentos ou se articulava algum tipo de palavra. Não sentia controle sobre seu corpo ou sua mente, não havia sentimento ou qualquer tipo de emoção. Já passara da meia-noite e muito antes disso ela já havia virado abóbora, uma abóbora amassada e estragada era isso que tinha se tornado.  Seu corpo exausto pediu arrego e ela caiu no meio da calçada. Olhando para o céu, sua mente, que ao contrário do seu corpo não parava, se alinhou e lembranças de um passado de meses que pareciam anos dentro dela se reuniram. Soltou um som estridente pela boca, junto com suas mãos que tocaram seu rosto. No momento que sua face sentiu o toque de suas frágeis mãos ela sentiu algo molhado, preferiu acreditar que eram mais uma vez as lágrimas de meses. Ali deitada, sentia a camisa grudar em seu corpo. Tateou os bolsos a procura do celular pra tentar lembrar o que tinha acontecido nas últimas horas. A última ligação: Senhor X.  O senhor que pairava em sua mente há meses, os encontros com ele que sempre deixavam algo no ar, tudo pairava. Vivia pairando, flutuando sobre eles. Só que tudo isso não iria mais acontecer. Ela olhou para suas mãos e para a camisa que grudava. Ela o matou. Ela viu o sangue, a camisa encharcada do liquido vermelho e as mãos com resquícios do crime. Pois, então, agora não pairaria mais e ela tinha em suas mãos o sangue dele. O sangue deles. E era só o primeiro dos muitos crimes que ela ainda cometeria.

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