Por Fabrício Carpinejar
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Grifei Carpinejar
"Você foi covarde. Seu amor é forte, seu corpo é fraco. Você
foi covarde como tantas vezes fui por acreditar que a coragem viria depois. A
coragem não vem depois. A coragem vem antes ou não vem. Não posso amaldiçoar
sua covardia. Sua boca não é rápida como suas pernas para me agarrar. Minhas
pernas não são tão rápidas quanto minha boca para lhe impedir. Você foi
covarde. Pela gentileza de sempre dizer sim, repetidos sim, quando não estava
ouvindo. Já desfrutei de sua covardia, ríspido recusá-la agora porque não me
favorece. Porque não fui escolhido. Não aquecerei seu prato para servi-la. Não
a ajudarei no parto. Não partirei. Serei aquele que deveria ter sido, enterrado
sem morrer, o que desapareceu permanecendo perto. Sou seu constrangimento mais
alegre. Sua ferida, seu feriado. Com o tempo, serei sua vontade de se calar. De
se retirar da sala. Não conhecerá meus hábitos de puxar o café antes de ficar
pronto. De abrir as venezianas como quem procura reunir os chinelos ao vento.
Você foi covarde, ninguém iria compreendê-la. Hoje todos a compreendem, menos
você mesma. Você não se compreende depois disso. O que é imenso é estreito. O
que é infinito fecha. Até o oceano tem becos e ruas sem saída. Até o oceano.
Sua esperança não diminui a covardia. Quer um conselho? Finge que a dor que
sente é a minha para entreter sua dor. Saudades ficam violentas quando mudamos
de endereço. Saudades ficam insuportáveis quando mudamos de sentido.Você confunde
sacrifício com covardia. Compreendo. Eu confundo amor com loucura. Cada um tem
seus motivos, sua maneira de se convencer que fez o melhor, fez o que podia.
Você me avisou que não tinha escolha. Nunca teria escolha. Você foi educada com
a vida, pediu licença, agradeceu os presentes. Confiou que a vida logo a
entenderia. E cederia. Engoliu uma palavra para dormir. Não serei vizinho de
seu sobrenome. Seus nomes esperam um único nome que ficou para trás. Você não
desencarnou, não se encarnou, deixou sua carne parada nas leituras. Morrer é
continuar o que não foi vivido. Vai me continuar sem saber. Você foi covarde.
Com sua ternura pálida, seu medo de tudo, sua polidez em cumprir as promessas.
Você não aprendeu a mentir. Tampouco aprendeu a dizer a verdade. O dia está
escuro e não soprarei a luz ao seu lado. O dia está lento e não haverá
movimento nas ruas. Você não revidou nenhuma das agressões, não revidará mais
essa. Você foi covarde. A mais bela covardia de minha vida. A mais comovida. A
mais sincera. A mais dolorida. O que me atormenta é que sou capaz de amar sua
covardia. Foi o que restou de você em mim."
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Ótima escolha de texto, Má! :)
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